sexta-feira, 18 de março de 2016

Adeus Vó Jandira...

Quantas vezes esse momento me atormentou na infância...
Foram muitas as vezes em que meu coraçãozinho se apertou angustiado por conta de o pensamento me fazer essa pergunta: E se eu ficasse sem minha avó?
Acho que Deus deve ter percebido o quanto aquilo me assombrava, tanto que ele me deixou ter você por tanto tempo...

É tudo muito complicado e confuso na minha cabeça nesse momento...
Parece que a gente leva uma paulada...
Pudera, desde a morte da Nona, após o fim da Copa do Mundo de 1970, nós daqui de Brasília não perdíamos alguém do convívio próximo... 
E como eu nasci pouco mais de um ano depois, é confuso lidar com a primeira morte, já aos 44 anos de idade.
Enquanto vou escrevendo, as lágrimas vem e vão. 
As memórias se confundem entre alegria e tristeza, sempre carregadas de saudade.
Com a emoção à flor da pele, fica difícil discernir o que escrever e o que desconsiderar.
Só não queria mesmo era deixar de fazer minha homenagem!
Espero conseguir deixar registrada uma boa e eterna lembrança!
Borbulha um mosaico de minhas memórias, referentes a intensa vida dessa mulher tão marcante...
O nome é forte, de influência indígena, a mulher é ainda mais, muito mais, de descendência italiana.
Não sei a partir de quando, nem exatamente de qual delas, mas tenho a impressão que minhas lembranças de infância começam na casa da minha madrinha, a Vó Jandira.
Fui o primeiro neto, provavelmente o mais bajulado e amado (os outros que me perdoem, mas até por uma questão de tempo, isso se explica por si). 
Das fotos, são várias, do meu álbum de um ano, de muitos aniversários meus e dos primos e irmãos, na casa dela, geralmente com ela ou, provavelmente, sob seu terno olhar.
Nas memórias, a confusão de datas, lugares e histórias não me autorizariam estabelecer uma linha de tempo, assim cito fora de ordem e de importância, um tanto de tudo: as idas à Cemar para comprar pão e pudim, idas aos bancos fazer os depósitos do dia, aos mercados comprar carne para o restaurante, passeios de Chevette, caminhão do vô, idas à Auto Escola, ao restaurante, os picolés, os bolinhos de chuva, cuecas viradas (o doce!!!), biscoito de polvilho, frito e assado, o bolo toalha felpuda, o frango assado na panela de pressão, a idas à chácara de Santo Antônio do Descoberto, os papagaios, o Só Frango, dormir com Tia Carminha, as inúmeras viagens à Ipuã, passeios nas casas de amigos e parentes, etc, etc, etc.
Em tudo, sempre o sorriso fácil, a satisfação de estar junto, perto!
A intensa vivacidade de uma época em que, ou eu e mundo éramos mais puros, ou mais bobos mesmo.
E até se for isso, tenho convicção de que era muito mais feliz do que consigo ser hoje. Não porque agora eu seja triste, mas é que era mágico, ela sabia fazer ser mágico, alegre, vívo.
Imagino hoje, o quanto deve ter sido difícil ser tão espetacular por tanto tempo, o quão grande deve ter sido o esforço para manter tal clima...
Era intensa, em tudo!
Não engolia sapo e fazia barraco sem nenhuma cerimônia e eu, me acabava de pavor!
Quando eu menos pensava que não, começava o escândalo, uma gritaria sem tamanho, bateção de boca, gestos e mais gestos, nos moldes do italiano mais caricato.
Como eu me lembro desse ímpeto! Da paciência curta!
Lembro também o quanto era engraçada.
Apaixonada pelas pessoas era exímia cuidadora daquilo que os outros pensavam dela.
Não perdia uma chance de presentear, não perdia uma chance de bater um papo rápido, ou longo, falava o que pensava, o que achava, tudo na lata e essa facilidade de despejar as coisas, sem muito medir, esse era o justo marcador de sua originalidade.
Não era maldade ou falta de senso, era personalidade.
Quando amava, idolatrava, quando odiava, ignorava!!!

Em algum momento, da vida, resolveu que tinha que se distanciar.
Arrastando angústias, levou muito de nossos corações, deixando preocupações e saudades.
Mudou-se pra longe, foi atrás de uma terra prometida que, na verdade, nunca conquistou.
Não perdia a chance de receber a gente em casa, nas distâncias.
Foi o primeiro destino da Nana, com apenas um mês de vida, em Barra do Garças.
Foi destino frequente na infância dos primeiros bisnetos, em Caldas Novas.
E mesmo começando a dar sinais de sentir o peso do tempo, não perdia a chance de tirar truques da manga!
Quando parecia que não teria mais truques, em uma das viagens pra visitar a gente, voou...
E quase morreu, e quase matou o vô, e quase matou nós todos de susto.
Já era a demonstração clara que a idade tinha chegado no corpo, mesmo que a cabeça não aceitasse.
De verdade, não aceitou nunca!!!
Mas também, nem sentia! A cabeça não sentia.
Em nenhum momento deixou de estar ligada, deixou passar qualquer coisa, deixou de estar atualizada.
Menos de mês atrás quase matou a gente de rir imitando os outros. Queria que fizéssemos um churrasco para que ele tomasse um cerveja da marca "Proibida".
Semana passada, na UTI falou que a Dilma era uma desgraçada!

Estou cansado... Me sentindo vencido pelo peso dessa ausência.
Não cansei de lembrar, cansei foi de escrever.
Não sei se um dia retomo, não sei se esse assunto tem fim...
As lembranças, essas não tem fim.
Pode ser que cada um dos netos faça a sua retrospectiva, a sua homenagem, a sua memória.
Acho importante. Válido!
Ao fazer a minha percebi o quanto de Dona Jandira eu tenho.
O quanto dela ficou em mim.
Nesse ano de 2016 aconteceria uma conta matemática interessante: ao fazermos nossos aniversários, eu teria a metade da idade dela, justamente quando tivesse a idade em que ela me ganhou de presente.
Não porque eu me ache "o presente", mas a impressão que eu trago de minhas memórias é que ela sempre me tratou assim.
Por fim, sinto "o peso e a leveza" do quanto tudo isso sou eu, do quanto ela foi pra cada um de nós e me impressiono com o quanto eu ainda tenho que ser, afinal ainda não estou na metade da idade que ela viveu.

Vá em paz vó!
Feliz pela história que deixa, por tudo o que semeou, pelo quanto foi campo pra tanta gente crescer e pelos frutos que deixou.
Assim que der volte pra levar o vô, ele vai estar mais feliz com você... 
Que Deus te coloque em um lugar bem lindo e feliz, pra você assistir a gente.
Vou tentar ser um pouco do presente que você foi pra mim praqueles que ainda virão.
E sempre que puder, apareça pra dar uns pitacos, umas dicas, umas risadas.
Um beijo carinhoso e até breve.
Minha eterna gratidão...

Nenhum comentário: